sábado, 6 de junho de 2009

MAKING OF DA CAPA



Fazer capa, pra mim, sempre foi um parto. A fórceps, de elefante...
Nunca fiquei muito satisfeito com as minhas capas. Talvez por estar ciente da sua importância, das várias funções (destacar-se numa livraria ou num catálogo, ser informativa, atraente, mostrar o conteúdo sem entregar todo o ouro...). É como uma embalagem.
Tinha medo que, por excesso de informação, ficasse uma capa como a do D.João Carioca, simpática, mas cheia de elementos dispersivos.

Por isso apelei ao super Bruno Porto, designer carioca radicado em Shangai, China, para pedir alguns pitacos. Ele se animou, fez muito mais que isso e prestou uma verdadeira consultoria de capa de quadrinhos.
Meu pedido de socorro não partiu do zero. Eu já havia quebrado a cabeça e tinha feito estes estudos. O primeiro é o layout que fez parte da proposta da editora, ainda na fase da concorrência pelos direitos do Jorge Amado. Quem conhece a história vai perceber que eu ainda não havia lido o livro inteiro.
E os desenhos seguintes são uma tentativa de mostrar de tudo um pouco.

O Baldo boxeador domina a cena, e o pai de santo Jubiabá aparece no alto, como se fosse o Obi Wan do Baldo, falando "que a força esteja com você" em nagô :)
Já achava tudo muito antigo. Eu queria algo retrô, mas não antiquado.
E também queria destaque para o Baldo herói, lutador, por influência da Festcomix que eu havia visitado recentemente. Sem deixar de ser "Bahia de Jorge Amado".

E mais: tinha que ter CARA DE GIBI.

Bruno concordou que precisava de um upgrade e mandou um monte de capas de HQ que ele achava legais. Coisas que mostrassem heróis, brincassem com o retrô-moderno.



Fiquei bobo com as capas do Bá & Moon para o Umbrella Academy e outros trabalhos. Layout (composição) sempre magnífico, limpo e instigante, elegante e cool... Gostei também da capa do "Capote em Kansas".

Daí fiz a minha lição de casa. Desenvolvi o tema do lutador, hierarquizando os elementos em planos, tentando composições geométricas mais definidas.


Achei importante destacar a placa do bar "Lanterna dos Afogados" por causa da música dos Paralamas do Sucesso - foi uma surpresa ler o romance e descobrir que esse nome viera dali.

O layout inspirado em "Capote em Kansas" mostra Baldo saindo do Lanterna com uma "cabrocha", com a luz do bar projetando no chão. Eu gostei desse, o Bruno também... seria uma capa mais suave, tem um climão.

Mas eu estava resolvido a investir na capa do Baldo lutador, mais dinâmica e, achava eu, mais atraente para o leitor de HQ.

Foi então que pegamos um desvio para o pop e o bizarro...



Bruno ficou maluco quando soube que o Baldo em certa altura lutou num circo, vestido com pele de tigre igual ao Lothar do Mandrake. "Isso eu não sabia que era Jorge Amado", ele disse. E resolvemos apostar nesse caminho.

O Bruno também andava fazendo uns cartazes com cartazes colados em muro, pichações... então eu fiz um cartaz do Baldo de lutador com design circense, com aquele colorido berrante e decadente dos circos. E para manter a ambientação em Salvador, o cartaz estava colado numa parede, e da parede continuava um cenário noturno com outros personagens ao fundo.

Alguns amigos torceram o nariz - o cartunista Érico San Juan disse, não sem razão, que "não parecia capa e podia confundir". Bem, estranhamento era tudo o que a gente queria.

Ficamos fascinados com esse caminho e viajamos legal na idéia.
E apresentei um layout bem acabado para a Cia. das Letras.

Eles devem ter estranhado à beça, e não aceitaram...
Eu estava preparado para essa possibilidade. E fui no plano B.

Segui então o caminho do "Baldo boxeador".



Procurei retratar uma atitude menos óbvia, no intervalo entre uma luta e outra (não dá para saber se ele está ganhando ou perdendo), quis mostrar bem os símbolos da tatuagem no peito e a figa.

Pai Jubiabá paira como uma vinheta ou um fantasma sobre a cena.
Gosto dessa função sobrenatural de Jubiabá, bem frontal como uma máscara africana, como um totem, contrastando com a presença viva de Baldo, o verdadeiro protagonista desse romance.

E fiquei muito satisfeito com a composição, parecia que funcionava com qualquer cor e com variações (com igreja, sem igreja, só em traço etc).

Porém, esta segunda opção deu trave de novo.
A editora argumentou que o romance não era só boxe; que aquela era uma parte pequena em relação à saga de Antonio Balduíno.
É verdade; mas eu achava que isso não era problema, pois "Baldo lutador" podia simbolizar todas as outras lutas daquele personagem.
Às vezes, o que "pega" não é exatamente o que está sendo discutido, e sim alguma outra impressão não dita...
Então pensei: até agora, apresentei apenas capas "de moleque", talvez masculinas demais... e se eu mostrar aquela do Baldo saindo do Lanterna? Era mais elegante e sugestiva (a gente achou mesmo que tinha mais "cara de Companhia das Letras", mas eu queria uma capa de herói...).

E apresentei. "Sucesso total", respondeu a Helen da Cia. por email.


Bom. Resolvido! Habemos capa!
Falei do resultado para o Bruno e comemoramos 15 mil km um do outro.
Voltei ao trabalho de finalizar o Jubiabá.

Uns três meses depois, depois de colorir a última página, peguei a capa para finalizar.
Completei o layout com os personagens e o Jorge Amado, aprovaram, e finalizei.

Algo me dizia que não estava boa a contracapa... mas a gente perde um pouco a noção, pela pressa ou pela vontade de ver pronto logo.
Depois da capa finalizada, o pessoal da editora começou a achar a contracapa meio poluída... vieram sem jeito pedir para mudar, pois já havia sido aprovada, afinal.
Minha intuição foi confirmada. Ao rever a capa depois de alguns dias, ela me pareceu super atravancada. Bem desenhada, mas no conjunto, tudo meio apertado, muita informação.

Eu havia feito assim para compensar a capa mais clean.
Então fiz uma experiência, de separar um pouco os elementos, retirar algumas coisas...
Aí me deu um estalo.


Lembrei da cena noturna do layout do cartaz de circo. E achei que combinava, formava uma unidade, mantinha a atmosfera da capa.
Bingo. Aprovaram, que beleza, muito legal...

Gostei do processo, das voltas, e de como ficou.
Acabou ficando uma capa lunar, os personagens são apenas sugeridos na paisagem noturna, abre espaço para a imaginação. Eu olho essa capa e penso no vozeirão de Caymmi, Baldo encarnando "João Valentão" e alguns metros adiante, quebrando na praia, o maaaaar...

A brincadeira da capa começou em agosto e terminou em abril. Nove meses de quebra-cabeça.
Eu sabia que ia ser um parto...

Vejam o site da Companhia das Letras... aliás, do selo QUADRINHOS NA CIA e confiram os lançamentos.